Após quase 42 anos do
assassinato do advogado e militante político João Leonardo da Silva Rocha no
interior da Bahia, mais precisamente na Fazenda Caraíbas, em Palmas de Monte
Alto (distante 840 km de Salvador), no dia 04 de novembro de 1975, está em fase
final o procedimento para exumação dos seus restos mortais enterrados no
Cemitério Municipal da cidade. Testemunhas que acompanharam o enterro apontam
um local aproximado que deve ser escavado para por fim ao mistério que já dura
quase cinco décadas. João Leonardo não deixou filhos ou viúva mas tem um irmão
mais velho ainda vivo, o também advogado Mario Rocha Filho, baiano radicado no
Rio de Janeiro.
Entenda
o caso
João Leonardo da Silva
Rocha nasceu em Salvador no dia 04 de agosto de 1939, mas tem origem familiar em Amargosa, no Recôncavo
Baiano, tendo trabalhado em Alagoinhas, também na Bahia e migrado para São
Paulo para estudar direito na Universidade de São Paulo. Lá foi professor de
latim, morou na casa de estudantes da USP e conheceu a militância, tendo sido
um dos primeiros quadros a integrar a Ação Libertadora Nacional (ALN) dirigida
pelo também baiano Carlos Marighela e por Joaquim Câmara Ferreira, o “Toledo”.
Preso e torturado na escalada de violência desencadeada a partir do Ato
Institucional nº5 (AI5), foi trocado pelo embaixador norte-americano Charles
Elbrick junto a outros 12 ativistas detidos, em célebre episódio que marcou o
período (1969) e é muito bem retratado no documentário “Hércules 56”.
Transportado para o México, seguiu com Zé Dirceu e outros componentes do grupo
para Cuba, se encontraram com o Presidente Fidel Castro e mergulharam no
treinamento de guerrilhas. Não se sabe ao certo a data, mas em meados de 1971
retorna ao Brasil rumo ao Nordeste, mais precisamente no sertão pernambucano,
em Itapetim, já integrante de uma outra organização surgida na Ilha, intitulada
Movimento de Libertação Popular (MOLIPO). Esta organização surgiu de um “racha”
da ALN em Cuba, era composta majoritariamente por jovens que fizeram
treinamento de guerrilha, com o objetivo de instalar a guerra popular no campo,
a partir de uma série de regiões estratégicas previamente escolhidas pelo
grupo. João Leonardo estava entre os comandantes do MOLIPO, cuja maioria dos
militantes foram assassinados pela ditadura, sendo que muitos ainda se
encontram desaparecidos. O ex-ministro e deputado federal José Dirceu e a
militante e última companheira a se encontrar com João Leonardo na
clandestinidade, Ana Corbisier, foram dos poucos que escaparam da execução da
sentença de morte extrajudicial imposta ao MOLIPO pela repressão.
João Leonardo foi
localizado, identificado e morto por um comando da Política Militar chefiada
pelo Capitão Delcker Rodrigues de Melo, quando tentava sobreviver trabalhando
como agricultor, ocasião em que utilizava o nome falso de “José Eduardo
Lourenço”, já que sabia ser procurado vivo ou morto pela ditadura em todo o
território nacional.
Caso
paradigma
Um notório exemplo de
resgate de restos mortais de ex-presos políticos ocorreu no ano de 1990 em São
Paulo com a descoberta da Vala Clandestina de Perus no Cemitério Dom Bosco,
noroeste paulistano, local utilizado pela ditadura militar de 1964 para
enterrar corpos de indigentes, vítimas de esquadrões da morte, criminosos tidos
como “comuns” e opositores políticos do regime autoritário instalado no País.
Seria o maior fato público de exumação de restos mortais de desaparecidos até
então e sem paralelos nem mesmo na história recente do Brasil. À época foi
instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara de Vereadores que
inquiriu ex-presos políticos, familiares de mortos, militares, membros dos
serviços de segurança etc., tendo em vista a elaboração de um relatório. O caso
de Perus ficou famoso, dentre outros motivos, pelo trabalho do jornalista Caco
Barcellos, da Rede Globo, que elaborou matéria para o Jornal Nacional na
oportunidade e para o Globo Repórter, anos depois. Alguns ex-presos políticos
mortos foram identificados e entregues aos familiares, mas o processo segue
lentamente sendo executado, em maior ou menor ritmo, sempre a depender de
governos, procedimentos burocráticos, recursos financeiros, especialistas etc. A
partir do relato de diversos testemunhos sobre esse tema pode se inferir que
tal processo só foi a frente a partir, principalmente, do empenho de familiares
dos mortos, muito embora tenha contado com importante esforço da prefeita de
São Paulo, entre 1988 e 1992, Luíza Erundina. Parte das mais de mil ossadas
retiradas da Vala Clandestina de Perus se encontram sem identificação e
armazenadas no columbário do Cemitério de Araçá, depois de anos deixadas em
condições impróprias na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Responsabilidade
do Estado brasileiro
Em 2010 o jornalista
e ativista de direitos humanos, Ivan Seixas, se deslocou para Palmas de Monte
Alto com base em pistas levantadas ainda nos anos oitenta por diversas fontes.
Em reportagem exibida pelo Jornal da Record, no mesmo período, Seixas apontou que
José Eduardo Lourenço, nome que consta no inquérito policial elaborado na
época, era, na verdade, o desaparecido político João Leonardo da Silva Rocha. A
partir de então uma série de esforços foram empreendidos pelas Comissões da
Verdade Nacional e Estadual, grupos de direitos humanos como Tortura Nunca Mais - BA e o Centro Político e Cultural João Leonardo chegaram a apontar um
possível local de sepultamento, realizaram uma audiência pública em abril de
2016 e iniciaram um diálogo com os mais diversos poderes da república no
sentido de dar efetividade ao previsto no relatório da Comissão Nacional da
Verdade que indica a responsabilidade do Estado brasileiro em localizar os
desaparecidos políticos do período de 1964-85.
Últimos
acontecimentos
No final de abril de
2017 duas arqueólogas forenses que desenvolvem projeto junto à Comissão
Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) estiveram em Palmas de
Monte Alto. O relato é que fizeram o georreferenciamento do Cemitério
Municipal, conversaram com o poder público, dialogaram com familiares que
possuem entes queridos enterrados nas proximidades de onde teria sido sepultado
João Leonardo, o que atesta a fase final de preparação para exumação que deve ocorrer ainda neste semestre. A informação é que a Procuradora Regional do
Ministério Público Federal de São Paulo e atual presidente da CEMDP, Eugenia
Gonzaga, estaria empenhada no caso contando, inclusive, com o surpreendente apoio
do Governo Temer. Resta saber até que ponto encontrarão guarida e apoio do
Governo do Estado da Bahia, dirigido por Rui Costa (PT) que, em tese, teria uma
maior proximidade com o tema, isso se estiverem cientes do procedimento. Com a
palavra os órgãos oficiais baianos.
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